quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Negativismos

   Normalmente, sou até uma pessoa bastante bem humorada. Normalmente, acordo com um sorriso nos lábios todos os dias, não me custa sorrir, não dói, é fácil e tão simples como respirar.
   Mas o normalmente não se aplica ao ultimamente. Ultimamente, dói sorrir. Dói fingir a felicidade que não sinto, apenas por precaução por quem convive comigo — nunca fui de exteriorizar muito os meus sentimentos, e não me agrada a ideia de encher o saco dos outros com os meus vários sacos, seguindo a metáfora.
   E que faço? Escrevo. Oiço música, de preferência aquela que me impede de ouvir o mundo, que às vezes me impede de me ouvir a mim mesma. Jogo tétris, mas mais pela força do hábito. Fumo demais, caso os nervos assim o peçam, porque não tenho a possibilidade de sair de casa e simplesmente vaguear, como tanto gostaria de fazer. Faço tudo, menos exteriorizar tudo. Faço tudo o que posso para manter a minha mente ocupada, só para não incomodar alguém. E isso, muitas das vezes, não chega, mas tenho de lidar comigo só e somente desta maneira.
   Ultimamente, não vivo; sobrevivo. Não tenho tido nada que me leve a querer viver, mas não desisto da vida, pela própria acepção da palavra — nunca teria coragem, força ou determinação para pôr termo a algo tão precioso que é a vida. Gostaria até de a aproveitar ainda mais, mas os acasos da vida impedem-me. Esses mesmos acasos da vida também se misturam com a minha personalidade, de certo modo, penso eu, porque não sou o tipo de pessoa que deixa os entes queridos pendurados para meu bel-prazer — faço deles a minha prioridade, ao invés de eu ser a minha prioridade.
   Esta sobrevivência dá cabo de mim a cada dia que passa. Não consigo ficar mais aqui, mas não conheço sítio algum, nem me lembro de sítio algum onde me sinta capaz de respirar plenamente. A não ser que um abraço apertado, daqueles capazes de nos tirarem o fôlego, seja capaz de ser considerado um lugar porque, ao pensar nisto enquanto escrevo, apercebo-me que sinto falta de um desses abraços, onde me sentiria finalmente segura, intacta, e poderia enterrar a cara no peito de alguém, só pelo prazer desse toque tão simples e tão potente ao mesmo tempo.
   Muito sinceramente, e despejando tudo o que há em mim neste momento? Adorava tudo o que englobasse a escola — à excepção de coisas práticas que exijam esforço físico, vá. Adorava, mas agora não me diz nada. Mantenho as notas nos seus estados normais, razoavelmente boas, mas perdi toda a devoção que tinha. Ainda mantenho o interesse em aprender tudo o que posso aprender, como se fosse viver para sempre, mas na realidade, a única coisa que me faz sair de casa todas as manhãs é saber que, por algumas horas, estou acompanhada por algumas pessoas extraordinárias que lá me conseguem fazer sorrir, dar uma gargalhada de vez em quando, distrair-me da minha vida. A única parte má é a hipocrisia e a estupidez testemunhadas em certos e determinados dias, mas nem isso já me afecta, passa-me completamente ao lado.
   Amo a minha família, sem dúvida alguma. Não me imagino sem os meus de sangue próprio, e sem algumas pessoas que mais parecem minhas gémeas, nomeadamente as minhas amigas mais próximas, as quais posso contar pelos dedos de uma mão só, mas que valem três vezes o universo, e mesmo assim é falar pouco. No entanto, até nestes meus dias piores, há sempre quem teime em teimar comigo, e a prova viva disso é, nem mais, nem menos, o facto de ser filha de pais divorciados. É tudo muito bonito, épocas festivas a dobrar, sim senhora, mas chega a ser cansativo ao ponto de desejar despedaçar-me e dizer, escolham com que parte de mim querem ficar, porque já não aguento mais estas merdas de conflitos. Passei a ter duas famílias, sim, e amo ambos os lados sem sombra de dúvidas, mas até o amor consegue ser incomodativo, doloroso, especialmente quando há ódio entre ambas as partes e não se chega a uma concordância, não há quem dê o braço a torcer, e no final, tal como se costuma dizer, quem sofre são os filhos. A filha, neste caso.
   E a vida pessoal? Mas, ainda me pergunto, eu tenho vida? Custa a crer que eu tenha vida, não pelo significado da palavra, mas pelo sentido filosófico. Não me sinto.
   Gostaria de, das duas opções, que uma delas se realizasse: ou eu voltaria atrás no tempo — evitando um desperdício colossal de dez meses, tempo desperdiçado com uma vida à qual a própria pessoa não lhe dava qualquer valor, evitando ser a pessoa fria, desconfiada que sou hoje devido a todas as mágoas e más experiências pelas quais passei nesses dez meses — ou então que me dissessem já, aqui e agora, o que esperar do meu futuro. Não literalmente, porque assim nem mete piada nenhuma, mas sim vagamente.
   Um 'vais ter sucesso, continua a tentar que vais ter sucesso' era bom de ser ouvido. Porque neste preciso momento, não consigo sequer imaginar um futuro. Não sirvo para tia, pela lógica da biologia, mas não me vejo como alguém que venha a ter uma licenciatura, um emprego, uma casa ou um carro. Não me vejo — é-me inconcebível, até — como namorada, mulher da vida de alguém, mãe de um ser. Desvalorizo-me imenso, eu própria tenho noção disso, mas como pode alguém, com tanta cicatriz interior, valorizar-se? Aliás, por mais tempo que passe, as feridas nunca hão-de passar a cicatriz; hão-de ser sempre feridas abertas, que continuam a sangrar infinitamente. Além disso, quem quereria alguém como eu? Com tantas bagagens etiquetadas com as palavras problemas, auto-estima nula e tantas outras categorias negativas sobre mim?
   Não ligo muito aos aspectos físicos de outrém, prefiro que as mentes me chamem, e o que será, será. Mas não me posso fiar que o meu físico seja algo razoavelmente bom, ou que alguém pense da mesma forma que eu, sendo chamado pelo interior, mais do que pelo exterior. Personalidade? Demasiado forte. Demasiado tudo. Demasiado nada, dependendo de dia para dia. Demasiado apressada para viver. Porra, karma, não achas que já está na hora de me dares coisas boas? Depois de tudo o que aconteceu, de tudo o que vi?
   Tudo o que peço do universo é felicidade, algo que me faça sorrir genuinamente. É pedir muito, eu tenho a perfeita noção disso, e eu sei que quem espera, sempre alcança. Mas sinto-me farta de esperar, prestes a desistir, como faço sempre. Sou uma desistente, e agora, estou prestes a desistir de mim mesma. Não me sinto deprimida, calma. Sinto-me apática. Vivo um dia de cada vez, adormeço a pensar no que é que o dia de amanhã me reserva, só para me deparar com um vazio gigante de coisas que não puxam por mim. Acordo e tenho de pensar todos os dias 'vá, eu consigo fazer isto', quando o que mais apetece é deixar-me enterrar nos lençóis e ficar ali o resto do dia, da semana, do mês, quiçá.
   This isn't a cry for help nor attention. É um desabafo, o desabafo mais puro que poderia soltar a público, uma estreia para mim.
   Mas eu rio-me. Apesar de toda a merda que me passa pela cabeça e que ponho por escrito, rio-me, incentivada por conversas divertidas, por vídeos de humor negro, por músicas que me fazem sorrir pela subliminaridade que possuem. E são esses risos, interiores ou não, em companhia directa ou indirecta, que me fazem continuar a fazer um esforço, por mais mínimo que seja.

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