Dá-me um cigarro. Sinto-me inebriada pela tua presença, só pela tua simples presença — poder-te-ia associar o que se costuma dizer sobre se ter um elefante no meio da sala, mas tu não és nenhum elefante, e nós não estamos na sala, nem na tua, nem na minha. Dá-me um cigarro, ainda nem fizemos nada de especial, mas preciso de fumar, não só porque estou nervosa, mas também porque fiquei sem assunto para ouvir novamente a tua voz. Assim, crio um assunto, tu perguntas-me se eu gosto da marca que fumas, e aí desenvolvemos mais um tópico: ainda bem que interrompi o silêncio da música de fundo do vento nas árvores.
Nunca saberás quão bem me sinto nos teus braços, será egoísta pensar assim? Quando tanta gente não tem ninguém a quem se agarrar neste frio, será egoísta sentir-me tão bem nos teus braços?
Como não te importas, aparentemente, de fumar dentro do teu quarto, acendemos os nossos cigarros pela mesma chama do teu Zippo® e continuamos abraçados, recostados na tua cama, enquanto a chuva bate na janela ao nosso lado. Sabes que gosto de ver a chuva num bom ambiente e, por isso, deixaste as cortinas abertas.
Sabes tanto sobre mim, conheces-me há tantos anos, como é que só agora é que finalmente estamos juntos? Foram precisos assim tantos anos para nos encontrarmos? Quer dizer, não encontrarmos-nos mesmo, de duas pessoas verem-se pessoalmente, mas sim encontrarmos os nossos lugares um no outro, entendes-me? Sei que me entendes, tu percebes a minha mente, às vezes muito melhor que eu, e ainda bem; não sei como é que conseguiria lidar com os meus próprios problemas se tu nunca dissesses um dos teus sábios conselhos.
Não sei se algum dia virás a saber o quanto eu sempre gostei de ti. Se calhar até sabes, se calhar até sou transparente; tu costumas saber quando estou mal quando apenas lês as minhas palavras no teu telemóvel, dizes que sou um livro aberto, um guardanapo de papel com gordura, para ti. Mas só para ti — nunca ninguém me entendeu tão bem como tu, e isto sempre se aplicou a tudo, desde que nos conhecemos.
Deveria aproveitar as horas que tenho contigo, deveria aproveitar a longa tarde e a longa noite e o longo fim-de-semana que tenho contigo, mas sinto-me tão nervosa, especialmente quando me passas a mão pelo braço. Sei que me queres acalmar, mas não poderás fazer nada quanto a isso, garanto-te. Mas não faz mal. Está próximo, e eu sinto-o: aquele momento em que eu, por algum mecanismo esquisito, esqueço-me de tudo, inclusive de quem eu sou, e entrego-me. Até lá, vamos continuar assim, a falar dos tópicos mais desinteressantes, daqueles que já debatemos mil e uma vezes, e eu vou continuar a gostar de ti, ou talvez até passe a gostar de ti cada vez mais, a cada palavra que sair da tua garganta. Só sei que, apesar de me sentir bem, nervosa, inebriada, por estar contigo, não há outro sítio no mundo onde mais quereria estar do que nos teus braços.
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Pedes-me um cigarro e eu, grato por teres finalmente falado alguma coisa, perguntei-te se gostavas da marca que eu fumo. Poderias não gostar, mas se não gostasses, não me importaria de sair à rua e buscar uma marca que te agradasse. Sei que irias achar isso um exagero, contentaste-te com a minha marca e eu não sei bem se realmente gostas ou se apenas disseste que sim para não me dares trabalho ou uma má impressão, e começámos os dois a fumar no meu quarto.
Não é meu costume fumar no quarto, uma vez por outra apenas, mas hoje tu estás aqui, e eu faço de tudo para estar sempre contigo, durante o tempo que puder aproveitar. Esperava este fim-de-semana há tanto tempo, nunca saberás quanto ansiei pela tua presença, pela tua real presença. Mas tu estás nervosa, sei disso, nem sequer preciso de te olhar nos olhos para o saber. O aquecimento central está ligado, está calor aqui dentro, mesmo com o horrível frio que vai lá fora, mas de vez em quando, arrepias-te sem razão alguma, aqueles arrepios repentinos em que sei que o estômago estremece mais. Apenas o seu porque é onde as minhas mãos estão pousadas, mas tentei-te confortar-te e tu voltaste a arrepiar-te. Não sei se deva parar de o fazer ou não, muito sinceramente, até porque estou com medo que, a qualquer momento, te levantes e vás embora e eu não possa voltar a estar contigo assim.
Muito provavelmente pensas, nessa tua mente às vezes tão errada, que eu estou à espera de muito mais da tua parte, que eu estou à espera de sexo, mas não estou. Tenho-te dito, várias vezes, ao longo destes anos, que eu não sou como os reles que em tempos conheceste e que te magoaram, mas parece-me que ainda não acreditas em mim; não estou minimamente preocupado com isso, este fim-de-semana vou provar-te que sou honesto nas minhas palavras mais pequenas, e tu vais saber que podes mesmo confiar em mim, não só para guardar os teus segredos, mas realmente confiar em mim, como eu tanto confio em ti.
Confiar em ti... Eu confio, mas não to posso afirmar com a maior das convicções, porque na maioria do tempo, estás longe de mim. Este fim-de-semana é uma bênção, mas depois, quando fores embora, tenho medo de que te possas deixar levar por alguém e, se isso acontecer, não saberei o que fazer à minha vida.
Nunca dei tanto, tanto, tanto, a troco de nada, a alguém como a ti. Depositei em ti a minha máxima confiança, mas sou tão frágil como tu és. Parece estúpido, vindo de um gajo como eu, pensar assim, mas a minha sorte é que ninguém sabe o que penso. Talvez te devesse dizer tudo, isto, como me sinto, talvez assim soubesses, de uma forma mais simples e indolor, que podes mesmo confiar em mim, que sou igual a ti em tantos mais aspectos, mas vou jogar pelo seguro, prefiro demonstrar-te, ao não fazermos nada de especial, que podes confiar em mim, porque tu própria o disseste, palavras, leva-as o vento.
Já apagámos os nossos cigarros, mas vou ficar muito quieto, a abraçar-te, enquanto vês a chuva a bater na janela. Ficarás mais calma, talvez a gente adormeça até à hora de jantar, quem sabe... Mas, por ti, faço tudo, e por isso é que não vou fazer nada.
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Estes eventos não são reais, nem se assemelham a qualquer realidade experienciada por mim. Tratam-se de eventos criados por palavras imaginativas.
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